terça-feira, maio 6

o jogo do contente

Todo dia ele fazia a mesma coisa. Acordava pontualmente às 7:00. Tomava banho de porta aberta e sempre se esquecia de pegar a toalha. Um café rápido, ninguém pra se despedir e já estava fora de casa. No caminho, como que inconscientemente, tentava se convencer de que gostava daquilo. Tentava acreditar que era importante e que no fundo era um cara feliz. O resto da manhã transcorreu sem sobressaltos. Ao meio-dia no restaurante a quilo sentou-se no lugar de sempre, foi atendido pelo garçom de sempre e saudado com a mesma pergunta de todos os dias. “Coca com gelo e limão?” Nos últimos 2 anos almoçou no mesmo restaurante, sentado no mesmo lugar, e sempre dava a mesma resposta. “Sem limão, por favor.” Por dentro tinha vontade de dar uma garrafada no filho da puta do garçom, mas sempre o respondia, no mesmo e plácido tom de voz. Durante o almoço, tentava se convencer de que a comida do restaurante a quilo em que comia todos os dias tinha certa qualidade, e que era um cara privilegiado por poder se dar ao luxo de freqüentar um restaurante, afinal, quantas pessoas que passam fome não fariam de tudo para estar em seu lugar repetindo diariamente a mesma frase: “Sem limão, por favor.”? O resto da tarde também transcorreu sem alvoroço. Terminado o expediente, todos permaneceram no escritório, torcendo para que alguém tivesse a coragem de voltar pra casa primeiro, afinal, o patrão não via com bons olhos o funcionário que cumpria pontualmente o seu horário. Demonstrar obsessão pelo trabalho e disponibilidade em fazer horas extras não-remuneradas era característica essencial de um funcionário padrão. Mas ele tentava se convencer de que àquelas horas extras seriam muito importantes pra sua carreira e ascensão profissional. Estava confiante que mais cedo ou mais tarde seu patrão reconheceria sua dedicação e não mais confundiria seu primeiro nome, afinal, só estava na empresa há 5 anos, ainda não dera tempo do patrão guardar um nome tão incomum como o seu: João. Finalmente, estava de volta ao lar. Comida congelada no microondas, futebol na televisão e ninguém pra conversar, contar sobre seu dia excitante ou ouvir reclamações. Mas ele não se abalava com a solidão, tentava pensar que amanhã seria outro dia e que deveria agradecer por estar vivo e com saúde, por ter um teto onde se abrigar e onde abrigar um freezer cheio de comida congelada. Insistia em acreditar que era um cara feliz, com um bom emprego, um excelente combo de TV por assinatura + internet banda larga e toda uma vida de alegrias pela frente.