Abaixo, segue um texto ditado pela professora aos alunos de uma turma da 5ª série do 1º grau, em uma escola estadual, no município de Niterói – RJ.
Suas qualidades
“Algumas boas qualidades você já descobriu que existem dentro de você. Pode ser um bom atleta, alguém chegado às artes, uma pessoa que gosta de ajudar os outros. Ou, talvez, o humor seja o seu forte e você diverte as pessoas, brincando e contando piadas. Ou ainda você pode ser um cidadão com espírito de liderança, preocupado com os problemas de sua escola, de sua cidade e até de seu país.
Enfim, você sabe muito bem quais são suas qualidades. Pense nelas e fale daquilo que é o seu forte.”
O texto acima, ditado pela professora, deveria ser escrito pelos alunos em uma folha de caderno, o que permitiria a avaliação de suas capacidades de ouvir, assimilar e passar o que ouviram para o papel, ou seja, uma avaliação do nível de compreensão e domínio da língua portuguesa. Segue abaixo, a transcrição do texto supracitado por um dos alunos da turma.
Sua quelidade
“Auguas boas quelidades você vadis culeou que e zida derodereortê. Podarcê um bou atrata, anha xagado as arte, um pesoa que gorta de aguda as otras. O, teureo, una jega aseu e reage digada as pessa, e cater diada. O aida você podice um cidadão com espirato da lidaresa, preucoda com prabiana de sua escola, de sua cidade a tecia ateis.
Ífim, você salca muitobea que são suas quelidade. Pecinalas e falas da quelo que eufuta.”
O aluno responsável pelas desconexas palavras acima concluiu o primário em uma escola municipal de Niterói. O município de Niterói tem como política educacional a não reprovação de seus alunos, ou seja, todo aluno, capacitado ou não, deve avançar paras as séries seguintes, mesmo não apresentando condições mínimas para acompanhar os ensinamentos que lhes serão apresentados futuramente.
Esta é a política educacional de um dos municípios mais ricos de um dos estados mais ricos do país. Política de um governo do Partido dos Trabalhadores. Política do governo de um Prefeito-Professor. Política de um governo que se diz comprometido com a questão social. Uma política que gera saldos “positivos” de aprovação, mas que esconde um saldo negativo e irreparável na educação de alguns de seus alunos, que terminam o primário praticamente analfabetos.
segunda-feira, abril 23
segunda-feira, abril 16
ridículo e só
Só conseguia me sentir um idiota. Minha vontade era ficar o tempo todo debaixo da mesa do bolo, ou quem sabe escondido na caixa dos presentes. Me sentia o mais idiota entre todos os garotos idiotas da 4ª série. Por que eu não podia usar roupas normais? Um tênis normal, uma calça jeans normal, uma camisa colorida qualquer com alguma frase estúpida em inglês? Toda festa de aniversário era uma espécie de Segunda, Terceira, Quarta Comunhão. Ela separava meu cinto e meus sapatos brancos de verniz, minhas meias finas e brancas que iam até os joelhos, minha bermuda branca de pregas e minha camisa branca cheia de botões.
Antes aquela fosse minha Primeira Comunhão e não a festa de aniversário de um colega de escola. A julgar pela minha aparência, estaria no lugar certo, onde poderia expiar, reservadamente em um confessionário, meus primeiros pecados.
- Me perdoe, padre, pois eu pequei.
- Qual seu pecado, meu filho?
- Desejei arremessar pela janela do meu quarto toda essa roupa ridícula e branca que estou vestindo, e junto à roupa, padre, também desejei arremessar a minha mãe.
A parte ruim seria a quantidade infinita de Ave Maria e Pai Nosso que viriam depois, mas nada comparável ao castigo de estar em uma festa fantasiado de “Gasparzinho Envernizado” enquanto todos seus amigos ostentam tênis novos, calças jeans e camisas coloridas. Talvez eu fosse o único aluno do colégio a agradecer secretamente pela existência do uniforme escolar obrigatório: tênis de couro preto, meia preta, bermuda jeans e camisa verde. Era bom chegar ao colégio e estar vestido como todo mundo. A idéia de que todas as festas de aniversário também pudessem ter uniformes obrigatórios me empolgava. Se os garçons tinham uniformes obrigatórios, por que não os convidados? Intimamente, invejava os garçons. Podiam parecer ridículos com aqueles paletós brancos e suas gravatas pretas de borboleta, mas não estavam sós. Nas festas, eu era sempre o único de sapatos brancos de verniz. Ridículo e só.
Antes aquela fosse minha Primeira Comunhão e não a festa de aniversário de um colega de escola. A julgar pela minha aparência, estaria no lugar certo, onde poderia expiar, reservadamente em um confessionário, meus primeiros pecados.
- Me perdoe, padre, pois eu pequei.
- Qual seu pecado, meu filho?
- Desejei arremessar pela janela do meu quarto toda essa roupa ridícula e branca que estou vestindo, e junto à roupa, padre, também desejei arremessar a minha mãe.
A parte ruim seria a quantidade infinita de Ave Maria e Pai Nosso que viriam depois, mas nada comparável ao castigo de estar em uma festa fantasiado de “Gasparzinho Envernizado” enquanto todos seus amigos ostentam tênis novos, calças jeans e camisas coloridas. Talvez eu fosse o único aluno do colégio a agradecer secretamente pela existência do uniforme escolar obrigatório: tênis de couro preto, meia preta, bermuda jeans e camisa verde. Era bom chegar ao colégio e estar vestido como todo mundo. A idéia de que todas as festas de aniversário também pudessem ter uniformes obrigatórios me empolgava. Se os garçons tinham uniformes obrigatórios, por que não os convidados? Intimamente, invejava os garçons. Podiam parecer ridículos com aqueles paletós brancos e suas gravatas pretas de borboleta, mas não estavam sós. Nas festas, eu era sempre o único de sapatos brancos de verniz. Ridículo e só.
Assinar:
Postagens (Atom)