quinta-feira, maio 31

vícios e virtudes

Acordo às seis da tarde com a sensação de que dormi por uma semana. Puta que pariu, só consigo repetir mentalmente um sonoro puta que pariu. Mais um dia sem ver a luz do sol. Antes tivesse enchido a cara e acordado ainda bêbado com o quarto cheirando a álcool e as roupas espalhas pelo chão. Nem pra me embriagar tive coragem de enfrentar o frio que faz lá fora. Vento frio de um Rio de Janeiro frio em pleno aquecimento global. Aquecimento global fodido... Não aquece a cidade muito menos a vida de um pobre e sedentário notívago tentando mudar sua rotina de internet, coca-cola, café e punheta. Esse frio tem me tirado até a fome, impossível me motivar a mudar de vida. Parar de beber, acordar cedo, dar aquela corrida matinal, obviamente precedida de um alongamento, e inebriado por minhas próprias virtudes, respirar o incomparável perfume da manhã... Que merda! Um abstêmio que acorda cedo, se alonga antes de correr, e cheio de si, respira profundamente o ar da alvorada. Como poderia confiar em mim mesmo? Alguém assim só poderia ser um mentiroso, um tipo cínico de terno de grife, dono de um carro preto importado, uma pasta de couro de jacaré e de uma sala em um belo edifício comercial patrimônio de uma grande multinacional do petróleo. Certamente eu faria contribuições mensais para os órfãos de alguma guerra civil na África, coincidentemente, continente mais explorado pela empresa dona do prédio bonito em que eu tenho uma vaga para o meu carro preto e uma sala com uma grande mesa onde coloco pra descansar diariamente meu pequeno jacaré taxidermizado. Acho que confiaria mais em mim chegando em casa pela manhã, bêbado, trocando as pernas e prendendo a respiração, certo de que se repirasse fundo, vomitaria. Talvez vomitasse pela ânsia provocada pelo cheiro inconfundível da hipocrisia matutina, ou simplesmente pela quantidade de cerveja barata ingerida na tentativa de esquecer minha carência de virtudes e abundância de vícios. Também poderia vomitar por não ter um terno, não ter um carro, ou por compaixão aqueles pobres jacarés transformados em pastas de gosto duvidoso. Talvez vomitasse meus próprios vícios e virtudes na tentativa de distingui-los em meio a cerveja, a bile e aos amendoins. Ou, como um simples mortal, vomitasse na tentativa inócua de amenizar uma puta ressaca a caminho. É... Melhor voltar pra internet...

terça-feira, maio 22

quero ser feliz

Quero constituir família: mulher, filhos, casa, jardim
Quero uma secretária gostosa, que faça de tudo por mim

Quero trabalho, lazer, quero uma vida normal
Com muito sexo, orgia, tudo bem convencional

Quero liberdade de escolha, liberdade de expressão
Quero, em liberdade, responder meus processos por fraude, sonegação

Quero aparecer na TV, comer uma gostosa do BBB
E em minhas férias na França, fazer um curso de Sommelier

Quero todo ano pular carnaval em Salvador
E sem cerimônia, dar 3 mil reais no abadá do Armandinho, Osmar e Dodô

Em revistas, quero meu dia-a-dia exposto
Quero financiar projeto cultural pra pobre, e assim pagar menos imposto

Quero me filiar ao PSDB, com móveis de assinatura, mobiliar o meu AP
E fumar diariamente ervas aromáticas no meu narguile

Na base da propina, quero ganhar licitação
Construir belas e superfaturadas pontes, lá no sul do Maranhão

No Rio, quero fundar uma ONG, fazer projeto social
E encher meu cu de dinheiro, com apoio de uma multinacional

p.s. Texto gentilmente cedido para os Skrotes Boys of the Catland

segunda-feira, maio 14

bicicleta

De Castigo. Sentado. No canto da sala. A bicicleta roubada. Tento vídeo-game, bola, totó, ping-pong. Qualquer coisa pro tempo passar. Tento. Mas me levaram o brinquedo preferido. Me tiraram a vontade de brincar. Na rua, com amigos, brinco, mas pelo simples dever de brincar. Brinco. Mas brinco pensando nela. Brinco até ela voltar.

quinta-feira, maio 10

cenas do rio de janeiro - nº 1

Manhã de quinta-feira. Avenida Rio Branco. Entre o corre-corre de gravatas, guarda-chuvas e entregadores de papel, dois guardas municipais parecem conversar.

- Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo. Ele vibra! Ele é fibra! Muita libra! Já pesou? Flamengo até morrrrrrrer eu sou. - cantava entusiasmadamente o primeiro guarda.
Silêncio.
- Hahahahahahahahaha! - gargalhou ironicamente o primeiro guarda.
O segundo guarda permanecia calado.

Noite de quarta-feira. Maracanã. 57 mil torcedores. Flamengo 2 x 0 Defensor. Flamengo eliminado da Copa Libertadores da América pela soma de resultados.

terça-feira, maio 8

42 - Circular - Via São Lourenço

Todas as segundas e quintas a mesma coisa, aulas de inglês. Só tinha 11 anos e tinha que ir às aulas de inglês. Duas vezes por semana. Uma hora e meia de aula. Mas pra quê? Por que perder tempo aprendendo aquela merda de língua? Não conhecia nenhum inglês, mal sabia onde ficava a Inglaterra, nunca tinha ouvido nada do Ramones, muito menos enchido a cara de Guinness.

Meu pai dizia que era importante. No início acreditei nele. No início. Os indiozinhos me fizeram mudar de opinião. O que poderia ser mais idiota que decorar uma música sobre indiozinhos? Lembro da minha primeira professora de inglês: cabelo loiro, pele morena de sol, olhos verdes e óculos azuis. Ela cantava a música dos indiozinhos. Eu boquiaberto olhava pra ela. A turma “Step One” seguia cantando...


One little, two little, three little Indians
Four little, five little, six little Indians
Seven little, eight little, nine little Indians
Ten little Indian boys.

Ten little, nine little, eight little Indians
Seven little, six little, five little Indians
Four little, three little, two little Indians
One little Indian boy.”

Será que mais ninguém questionava a imbecilidade daquela música? Provavelmente todos ficaram satisfeitos com a explicação paterna.

- Estudar inglês é importante pro seu futuro, meu filho.

Se naquela época meu pai dissesse que em um futuro próximo eu poderia conhecer garotas loiras, de pele morena, olhos verdes e óculos azuis, e que essas garotas poderiam somente entender a língua de Oscar Wilde, e que, provavelmente, só conseguiria fodê-las se estudasse inglês desde a 5ª série, teria matado menos aulas dando voltas no “42 - Circular - Via São Lourenço”.

quinta-feira, maio 3

fingi na hora rir

Hoje eu quis brincar de ter ciúme de você
Mas sem por que meu coração me avisou que não
Fingi na hora rir
Talvez por aqui estar tão longe de você pra te dizer

Aquilo que eu temia aconteceu ou foi só ilusão?
Você manchou nós dois e desbotou a cor de um só coração
Ou anda sozinha, me esperando pra dizer coisas de amor

Pois eu, eu só penso em você
Já não sei mais porque
Em ti eu consigo encontrar
Um caminho, um motivo, um lugar
Pra eu poder repousar meu amor

Quantas horas mais vão me bater até você chegar?
Aqui meu lar deixou de ser aquilo que um dia eu construí
E eu fico sozinho, esperando pra trazer você para mim

Sofro por saber que não sou eu quem vai te convencer
Que cada dia a mais é um a menos pro encontro acontecer
E eu fico sozinho, esperando por você, meu bem-querer

Pois eu, eu só penso em você
Já não sei mais por que
Em ti eu consigo encontrar
Um caminho, um motivo, um lugar
Pra eu poder repousar meu amor

Los Hermanos – Marcelo Camelo

"A banda Los Hermanos comunica a decisão de entrar em recesso por tempo indeterminado. Por conta disso não há previsão de lançamento de um novo disco."

Que o "tempo" não seja definitivo...