quarta-feira, novembro 28

repensando o futuro

Tenho andado demasiadamente preocupado. Em poucos meses não mais receberei a esmola “Federal” oferecida àqueles que pensam que sua produção “pseudo-intelectual-acadêmica" um dia terá alguma valia para a sociedade brasileira [na maioria dos casos, no lugar de a sociedade brasileira, leia-se: o seu próprio umbigo]. No momento estudo alternativas de vivência para o resto dos meus dias...

Ah, trabalhar não é uma alternativa de vivência, persigo a idéia de vida, não de sobrevida. A opção trabalho, emprego, ocupação ou outras derivações do gênero tornariam meus dias vindouros simplesmente insuportáveis, uma alternativa nada razoável! Prefiro ater-me aos ensinamentos de Paul Lafargue, Guy Debord, Raoul Vaneigem e Bob Black: VAMOS ABOLIR O TRABALHO!

Sendo assim, a primeira alternativa plausível seria ingressar em outro mestrado, e depois outro, e outro, e outro... Mas passar a vida ouvindo besteiras de gente com Phd em falar besteiras, cansa, sem contar que isso poderia me transformar em um Phd em falar besteiras ainda maior e melhor que todos eles juntos... Melhor não!

Poderia também fundar uma ONG pra salvar o mundo das cáries e levar a cultura a todos os povos oprimidos do planeta! Obviamente omitiria que a cárie nada mais é do que uma invenção maquiavélica dos dentistas pra ganhar dinheiro com obturações [assim como o vírus da AIDS é uma invenção das grandes corporações farmacêuticas pra vender AZT]! Guardaria ainda mais segredo sobre a real identidade da cultura, intimamente tratada pelos engolidores de mundo como a “mercadoria ideal”, aquela que nos obriga a comprar todas as outras mercadorias! Rararárarárarárárárá [Risada maléfica]! Mas criar uma ONG com esse perfil não seria nada original, existem milhares delas por aí!

Outra opção seria aprender a fazer uns artesanatos, uns brincos de arame com sementes de girassol, açaí... Peregrinar pelo Brasil sem tomar banho, cheio de tatuagem de henna pelo corpo e uma coleção de piolhos maior que a do Bob Marley! Mas isso é bicho grilo demais pra minha personalidade já moldada aos bons modos e às boas maneiras da classe dominante! E também não levo muito jeito pra esse tipo de atividade manual... Nada Feito!

Resta-me uma última alternativa...

Colocar uma mochila nas costas e ir de encontro ao velho continente, desfrutar de todas as vantagens científicas, culturais, econômicas e sociais que o 1º mundo pode oferecer a um pobre rapaz latino-americano:

Drogas sintéticas pela bagatela de 2 euros; haxixe marroquino de 1ª qualidade; cogumelos mágicos devidamente embalados e higienizados; cocaína, anfetamina e todas as “inas” possíveis e inimagináveis; praias de nudismo; casas de prostituição; ninfomaníacas suecas, dinamarquesas, polacas, ucranianas, eslovacas, tchecas, russas... Ah, e ainda falta a melhor parte: uma malha metroviária interminável, onde poderei jogar malabares pelo resto dos meus dias, ganhando muito mais dinheiro e comendo muito mais gente do que um professor universitário no Brasil!

segunda-feira, novembro 26

fina indigestão

Sinto uma vontade quase incontrolável de vomitar. Vomitar toda a minha cordialidade, meus bons modos, minha postura socialmente adequada. Vomitar todo o meu senso de civilidade, minha formação politicamente correta, minha sensatez, minha educação. Sinto uma vontade quase incontrolável de vomitar toda essa merda.

Não, não quero vomitar escondido, abraçado a privada fedida de um banheiro qualquer. Quero vomitar na rua, nos corredores dos edifícios comerciais, na porta dos restaurantes, nas mesas de bar. Quero vomitar nos auditórios das universidades, nas academias de ginástica, nos consultórios médicos. Quero vomitar nos postos de gasolina, nas lojas de conveniência, no banco cheirando a novo do automóvel zero quilômetro. Quero vomitar nas pessoas, em seus cabelos bem cortados, em suas barbas bem feitas, em suas roupas de festa. Quero vomitar em tudo, para que todos sintam o cheiro do mais podre que guardamos dentro de nós.

segunda-feira, novembro 19

acordado

Ele passou o ano dormindo. Acreditava que assim as horas correriam e os dias saltariam de dois em dois. É verdade que, por persistir nessa letargia, aparentemente absurda, sentia-se por vezes um grandessíssimo idiota, mas mantinha a convicção de que os grandes idiotas nunca se reconheciam idiotas, às vezes percebiam-se grandes, mas idiotas, em momento algum.

Ele compreendia e queria acreditar em muita coisa, só não se dava conta de que no fundo, bem no fundo, insistia em dormir por medo de acordar. Acordar e perceber que somente ele mantinha os olhos fechados pro mundo lá fora, desejando, sozinho, que o tempo passasse de pressa. Sofria da doença daqueles que amam demais, que sonham demais, que acreditam demais nas pessoas.


Mas seu medo passou. Seus olhos já não se encontram mais fechados. Quanto à doença... Ainda prefere dispensar a cura.

terça-feira, novembro 6