quinta-feira, março 11

malicious software

Definitivamente, não fui concebido para o trabalho, talvez tenha sido uma grave falha de programação ou, quem sabe, tenha sido infectado na infância por um malware, enfim, detesto acordar cedo, não sou afeito a idéia de ter um chefe, tenho uma imensa dificuldade em fingir estar trabalhando quando não estou disposto ou, simplesmente, de ressaca e, por final, tenho o mais desagradável dos defeitos desagradáveis que um homem pode ter: o péssimo hábito de pensar, algo absolutamente inaceitável para a economia e o “sistema de cotas” contemporâneo, sistema este que estabelece que não mais de 2% da população mundial pode pensar e, quando falamos de Terceiro Mundo, mais especificamente de América Latina, essa cota é ainda menor, pois somente 0,3% dos latinos têm a permissão de pensar e, daqueles que pensam, 98% devem se dedicar a atividades que mantenham a “balança exploracional” em equilíbrio, ou seja, entre essas importantes atividades destaca-se a atividade do criador de propagandas criativas que aumentam as vendas e, consequentemente, aumentam a produção e, consequentemente, aumentam o controle e a mongolização social e, consequentemente, sustentam tudo como está. Ainda vale ressaltar que apenas 2% dos 0,3% de todos os latinos do mundo que podem pensar têm a liberdade de pensar em cultura: arte, cinema, televisão. Não, televisão, não... arte, cinema e etc., sendo que todo o conjunto desses homens que podem pensar em cultura: arte, cinema e etc., ou seja, a totalidade desses homens tem a obrigatoriedade de adotar como modelo de pensador contemporâneo o visionário-filósofo-cineasta e criador de video games James Cameron e, obviamente, aceitar e enaltecer Avatar como um paradigma da boa arte, exemplo ímpar de nossa capacidade de realização e grandeza cultural. Mas como havia falado inicialmente, não fui realmente concebido para o trabalho. Há quase 2 anos sendo pago por inescrupulosos expropriadores de minha capacidade de criação e juventude, impedido de questionar, reclamar, escrever e principalmente pensar, seja pela falta de tempo entre o ônibus, o trabalho, o mercado e o sofá, ou pelas noites mal dormidas e as contas vencidas esperando o pagamento atrasado, percebo o fim de uma longa jornada chegar. Ainda não sei exatamente onde está a saída, mas o fim do túnel está perto, posso sentir a brisa quente e o cheiro de merda vindo de algum lugar.

6 comentários:

Manô Guerrante disse...

Adorei isso!

leonardo trotta disse...

Então finge que trabalha, mas não deixa de escrever.

Jean Maurice B. Boechat disse...

"Tá na hora de virar aduuuulto!"
(Felipe Pereira Sardenberg)

Unknown disse...

Mais um texto bom pra caralho, Cabetrolha!
Parabéns seu lixo!
Vou imprimir bem grande e dar de presente pros meus patrões o seu texto!
ahahahaha

Unknown disse...

"...esse cheiro do ralo é seu..."

Cabelito continue TRABALHANDO nestes seus textos. São bons!!!

Abraços.

Andreia Pagano disse...

Muito bom!! adorei. Que bom q vc voltou!!