terça-feira, dezembro 26

medo

Tenho medo. Medo de ter medo, medo de não ter mais medo de nada. Medo de sentir o que sinto e medo desse sentimento não ser mais sentido por mim. Tenho medo da distância, medo da distância aumentar.

Sinto-me sozinho, ausente de mim mesmo. Não compartilho nem da minha própria presença. Meu corpo está aqui, minha mente está longe, tentando pensar o melhor, tentando.

O clima de despedida somado ao clima de Natal não ajudam, não me trazem confiança, mas incredulidade. Sim, ser crédulo nunca me foi característica, mas seu oposto, agora, me absorve o pensar.

Queria poder correr para o tempo passar, queria fazer com que correndo o tempo voasse... Correria sem parar, sem pensar, somente correria.

Tenho medo do tempo, não do que ele faz com a gente por fora, mas do que pode fazer com a gente por dentro. Trocaria minhas rusgas interiores por quantas rugas superficiais fossem necessárias.

Temo, temo que a força de meus desejos seja sucumbida pelo tempo. Temo ser mais fraco que minha curiosidade burra. Temo que minha racionalidade seja atropelada por uma passionalidade ainda mais burra que toda e qualquer burra curiosidade.

Preferia ainda temer o escuro, os fantasmas de minha infância. Hoje não mais os temo, hoje meus fantasmas não são mais lençóis brancos com furos nos olhos, são fantasmas internos, fantasmas que me assombram muito mais do que aqueles velhos lençóis.

domingo, dezembro 24

ontem chorei sem chorar

Ontem chorei sem chorar. Choro mudo, calado, contido. Choro sem lágrimas, sem soluços. Choro que de tão doído se mantém incógnito, disfarçado, velado, camuflado, dissimulado em sorrisos amarelos, em piadas sem graça. Choro contraditório, incoerente... Choro sem começo, choro sem fim.

quinta-feira, dezembro 14

nem perfeito, nem latino-americano...

Devo dizer [antes que digam o contrário] que nunca fui um perfeito idiota latino-americano...

Nunca acreditei que nós, os latino-americanos, fomos, de alguma maneira, explorados, defraudados, enxovalhados ou oprimidos por nossos colonizadores, sejam eles, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses ou até mesmo os pobres dos norte-americanos. Nunca achei que nossa miséria ou atraso econômico e social tivesse a menor relação com alguns séculos de exploração aos quais fomos submetidos. A culpa disso tudo é 100% nossa!

É de suma importância relatar aqui, que nunca acreditei nessa tal de mais-valia, muito menos nessa balela de exploração da classe trabalhadora, expropriação de sua força de trabalho, luta de classes. Tudo invenção daquele alemão barbudo e esquizofrênico [esse gordinho do “Max” me dá até vontade de rir, gordo xexelento].

Ah, também nunca gostei daqueles arquitetinhos frustrados que começaram com a história de que o desenho do arquiteto é responsável pela extração da mais-valia nos canteiros de obra. Que viagem! Esse tal de Rodrigo Lefèvre e seu outro amiguinho, o Sérgio Ferro, deviam é estar chapados de maconha quando mandaram essa, isso sim. Ao invés de serem empreendedores, correrem atrás de trabalho, arregaçarem as mangas, vêm com esse papo de doidão, de vincular inovação estética e prática política revolucionária. Deus do céu, quanta perda de tempo e de dinheiro.

E pra ser sincero, pra ser sincero mesmo, a gente precisava mesmo era de um Jorge Buchi, um cabra macho, um cabra hômi, pra invadir aquela terra de viciado em cocaína que é a Bolívia e recuperar o investimento da nossa Petrobrás... E quer saber de outra coisa, nossa Petrobrás é o caralho, tem mais é que privatizar aquela merda. Isso do Estado intervir na economia é coisa do tempo do meu avô, do tempo daquele negócio de “bem estar social”, coisa mais antiga, coisa velha, coisa retrógrada.

Os tempos são outros, e o futuro, o futuro é o liberalismo, a livre competição, a especulação financeira... Ganhar grana na Bolsa de Valores e ficar rico, milionário... Pra depois aproveitar, viajar, rodar por esse mundão de grandes oportunidades: um safarizinho na África, outro na Rocinha, uma expediçãozinha ao Iraque, umas orgias no Nordeste brasileiro, outras no Leste europeu, um cruzeiro no Caribe... Ah, vida boa, mundo justo!

quinta-feira, dezembro 7

ao toque do sinal

Acordei torcendo que o sinal tocasse, que anunciasse os tão esperados trinta minutos de liberdade. Em disparada, percorreria os corredores do prédio novo até o velho campo de areia. Sob sol escaldante, correria sem parar atrás dela, por breves trinta minutos correria, defendendo – como se mais nada no mundo importasse – as variadas cores do meu time sem camisa. Ao soar do segundo sinal, saltando degraus, subiria as escadas em direção à sala de aula. Lá, tomaria de assalto a carteira de alguém, aquela estrategicamente situada debaixo do ventilador de teto, e, ainda que a professora de ciências voltasse, nela permaneceria... Sentado, exausto, ofegante, livre.