por Charles Bukowski
O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio.
Por que há tão poucas pessoas interessantes? Milhões, por que não há algumas? Devemos continuar a viver com esta espécie insípida e tediosa? Parece que seu único ato é a Violência. São bons nisso. Realmente florescem. Flores de merda, emporcalhando nossas chances. O problema é que tenho que continuar a me relacionar com eles. Isto é, se eu quiser que as luzes continuem acesas, se eu quiser dar a descarga na privada, comprar um pneu novo, arrancar um dente ou abrir a minha barriga, tenho que continuar a me relacionar. Preciso dos desgraçados para as menores necessidades, mesmo que eles mesmos me causem horror. E horror é uma gentileza.
Mas eles pisoteiam a minha consciência com seu fracasso em áreas vitais. Por exemplo, todos os dias, volto do hipódromo apertando o rádio em diferentes estações, procurando música, música decente. Tudo é ruim, insípido, sem vida, sem melodia, indiferente. Mesmo assim, algumas dessas composições são vendidas aos milhões e seus criadores se consideram verdadeiros Artistas. É horrível, uma idiotice terrível entrando em jovens cabeças. Eles gostam disso. Cristo, dê merda a eles, e eles comem. Não conseguem discernir? Não conseguem ouvir? Não sentem a diluição, o mofo?
Não posso acreditar que não haja nada. Continuo tentando novas rádios. Meu carro tem menos de um ano, mas a tinta preta do botão que aperto já está totalmente gasta. Agora o botão está branco, marfim, olhando pra mim.
Bem, é, existe a música clássica. Tenho que me acostumar com isso. Mas sei que ela vai sempre estar lá pra mim. Escuto isso de três a quatro horas por noite. Mas ainda continuo procurando outro tipo de música. Só que não existe. Deveria existir. Isso me perturba. Escamotearam toda uma outra área. Pense em todas as pessoas vivas que nunca ouviram música decente. Não se admira que seus rostos estejam caindo, não se admira que matem sem pensar, não se admira que esteja faltando coração.
Bem, o que é que eu posso fazer? Nada.
Os filmes são tão ruins quanto a música. Você ouve ou lê a crítica. Um grande filme, dizem. E daí saio para ver o tal filme. E sento lá me sentindo um grande idiota, me sentindo roubado, enganado. Posso adivinhar a próxima cena antes de acontecer. E os motivos óbvios dos personagens, o que os move, o que desejam, o que é importante para eles é tão infantil e patético, tão enfadonho e grosseiro. As partes românticas são irritantes, velhas, bobagens preciosistas.
Acho que a maioria das pessoas vê filmes demais. E, com certeza, os críticos. Quando dizem que um filme é ótimo, querem dizer que é ótimo em relação aos outros filmes que viram. Perderam a visão geral. São martelados com cada vez mais filmes novos. Simplesmente não sabem, estão perdidos no meio daquilo. Esqueceram o que é realmente ruim, que é a maior parte do que assistem.
E não vamos falar em televisão.
E como escritor... será que sou um? Bem. Como escritor, é difícil ler o que os outros escrevem. Não me bate. Para começar, não sabem como colocar uma linha, um parágrafo. Só de olhar o texto impresso a distância já parece chato. E quando você realmente lê, é pior que chato. Não tem ritmo. Não tem nada de emocionante ou novo. Não tem jogo, fogo, gás. O que estão fazendo? Parece ser trabalho pesado. Não se admira que a maioria dos escritores diga que escrever é doloroso. Eu entendo isso.
Algumas vezes com meu texto, quando não foi extraordinário, tentei outras coisas. Derramei vinho nas páginas, acendi um fósforo e queimei buracos nelas. “O que você está FAZENDO aí? Sinto cheiro de fumaça!”
“Tudo bem, querida, está tudo bem...”
Uma vez, meu cesto de lixo pegou fogo e o levei correndo para a varanda e derramei cerveja nele.
Para eu escrever, gosto de assistir a lutas de boxe, ver como o jab é usado, o direto de direira, o gancho de esquerda, o uppercut, o counter punch. Gosto de vê-los lutar, sair da tela. Existe algo a ser aprendido, algo a ser aplicado à arte de escrever, à maneira de escrever. Só sobram páginas, e você pode queimá-las, se quiser.
Música clássica, charutos, o computador faz o texto dançar, gritar, rir. O pesadelo da vida também ajuda.
Todos os dias, quando entro no hipódromo, sei que estou mandando minhas horas à merda. Mas ainda tenho a noite. O que os outros escritores fazem? Ficam na frente do espelho examinando os lóbulos da orelha? E então escrevem sobre eles. Ou sobre suas mães. Ou como salvar o mundo. Bem, podiam me poupar não escrevendo esse troço chato. Essa bobagem sem energia e murcha. Pare! Pare! Pare! Preciso ler alguma coisa. Será que não há nada para ler? Acho que não. Se você achar, me conte. Não, não faça isso. Eu sei: você escreveu. Esquece. Vai dar uma cagada.
Lembro de uma carta longa e furiosa que recebi um dia de um cara que me disse que eu não tinha o direito de dizer que não gostava de Shakespeare. Muitos jovens iam acreditar em mim e não se dariam ao trabalho de ler Shakespeare. Eu não tinha o direito de tomar essa posição. E assim por diante. Não respondi na época. Mas vou responder agora.
Vá se foder, colega. E eu não gosto também de Tolstói!
Um comentário:
Grande Bukowski!
Agora aguardo mais uma obra do mestre Cabacito, Botelho Pinto!
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