-E aí, Mário, tá melhor?
-Bem melhor, cara, agora só dói quando eu respiro!
-Pô, que sorte a sua, vai poder mergulhar em apnéia sem problema!
-É verdade. Posso mergulhar em apnéia, brincar de prender a respiração na piscina, andar por aí com um pregador no nariz! E podem peidar do meu lado à vontade, não vou sentir nada!
- Mário... Você é mesmo um cara de sorte! Nem vou te desejar melhoras, que você continue assim: mergulhando, brincando, se disfarçando de varal e imune a gases mal cheirosos.
-Valeu, Carli... Uhnn!
-Que foi, Mário?
-Porra, conversando com você esqueci de prender a respiração. Doeu um pouco, mas já passou!
Devia ter peidado! - pensou Carlinhos.
-Pô, ouvi dizer que tem um cara que respira pela pálpebra, por que você não procura se informar sobre essa técnica?
-Pela pálpebra?
-É, pela pálpebra! Acho que é uma técnica oriental, esses “chinas” inventam cada merda...
-Pô, se é chinês deve ser de péssima qualidade, e ainda deve explorar trabalho infantil.
-Mário, isso é uma técnica de respiração, não é uma bosta de mini-game.
-É! Mas porra, como esse cara consegue respirar pela pálpebra?
-Sei lá, Mário, mas antes respirar pela pálpebra do que não respirar...
-Respirar eu até respiro, o problema é que dói, então evito... Uhnn!
-Que foi?
-Respirei de novo!
Carlinhos, com a mão amarela, sorriu!
quarta-feira, agosto 29
segunda-feira, agosto 27
frio
Tudo era frio demais. Cama gelada, mobília cinza, paredes brancas. As lâmpadas de mercúrio no corredor conseguiam deixar tudo ainda mais insuportável. Aquele lugar era gélido. E ali, sozinha, ela só desejava a presença de alguém, de alguém que realmente se importasse. Alguém que lhe trouxesse um cobertor colorido e lhe ajeitasse melhor o travesseiro, que encostasse a porta do quarto e ao seu lado permanecesse por horas. Esse alguém não precisaria dizer nada, poderia ficar calado, imóvel. Sua simples presença já seria o suficiente pra transformar o mercúrio em vapor de sódio, pra pintar de laranja o branco descascado daquelas paredes frias, pra cobrir de vermelho o enfadonho cinza da velha mobília.
segunda-feira, agosto 20
ui! [você inventa]
por Tom Zé e Odair Cabeça de Poeta
Você inventa grite
Eu invento ai!
Você inventa chore
Eu invento ui!
Você inventa o luxo
Eu invento o lixo
Você inventa o amor
Eu invento a solidão
Você inventa grite
Eu invento ai!
Você inventa chore
Eu invento ui!
Você inventa o luxo
Eu invento o lixo
Você inventa o amor
Eu invento a solidão
Você inventa a lei
E eu invento a obediência
Você inventa Deus
E eu invento a fé
Você inventa o trabalho
E eu invento as mãos
Você inventa o peso
E eu invento as costas
Você inventa a outra vida
Eu invento a resignação
Você inventa o pecado
Eu fico aqui no inferno
Meu Deus,
no inferno
Valha-me Deus,
no inferno
terça-feira, agosto 7
tarde de segunda
Ligo a TV. Olho pra ela. Desligo a TV. Pego um cotonete na gaveta da estante da sala. Limpo o ouvido, não encontro nada. Fiz isso ontem, antes de ontem, nada encontrei. Vou na cozinha. Abro a geladeira. A garrafa de leite na porta tá quase vazia. Pego outra garrafa de leite no armário. Meio copo de requeijão com leite. 40 segundos no microondas. Leite quente. Pego a garrafa de café. "Merda! Acabou a bosta do café." Pó de café no armário da cozinha, porta superior do canto direito. Filtro de papel na porta superior do canto esquerdo. Panelas debaixo da pia. Água no fogo. O barulho do gás assusta. "Merda de fogão!" Alguns minutos e o café tá pronto. O leite esfriou. Mais 40 segundos no microondas. Agora sim, café com leite! Subo as escadas, sento a bunda na cadeira. Computador ligado, conectado com o mundo, infinitas possibilidades de navegação. Ligo o MSN, entre ausentes e ocupados, nomes estranhos, apelidos piores e inúmeras frases sem sentido, me mantenho incomunicável. Entro no Orkut, vejo meus recados, respondo alguns, apago tudo no final. Confiro meus fãs, parabenizo os aniversariantes e 'compartilho' da vida de meus amigos por mais de meia hora. Levanto da cadeira e saio do quarto. Me desconecto temporariamente do mundo de possibilidades que a internet oferece e que eu tão sabiamente desfrutei. Vou pra sala. Deito no sofá. Ligo a TV. Olho pra ela. Desligo a TV. Penso em estudar. Só penso. "Quero cagar! Preciso de um jornal. Cadê a merda do jornal?... Achei!" O Globo de domingo, 22 de julho. Hoje é 6 de agosto. "Foda-se. Vou ler a Revista da TV." Me informo sobre o que aconteceu na semana retrasada em todas as novelas da televisão brasileira. Leitura importante. "Nossa! A Luciana Gimenez levou nota zero." Nunca pensei que alguém se daria ao trabalho de avaliar a Luciana Gimenez. Sexualmente talvez, profissionalmente, nunca. "Caralho! Acabou o papel!" Vou até a despensa pelado. Pasta de amendoim se espalhando pela minha bunda. Pego um pacote de papel higiênico NEVE. 4 rolos num pacote. "Acho que dá e sobra!" Problema resolvido. Bunda limpinha. Volto pra sala, ligo a TV. "Será que começou o programa da Luciana Gimenez?" Lembro que tenho que estudar. Só lembro. Hoje é segunda-feira. "Cerveja seria uma boa... Porra! Tô sem grana." Desligo a TV. Vou pegar mais um café com leite que é de graça. Meio copo de requeijão com leite. 40 segundos no microondas, um pouco de café e... Pronto, café com leite! Rápido, quentinho e sem custos adicionais. Subo novamente a escada. Repito todo o processo anterior... Penso mais uma vez em estudar. Só penso. Sigo pro banheiro tranqüilo e confiante. 4 rolos de NEVE estão a minha espera. "Porra! Onde enfiei a merda do Caderno de Esportes?"
segunda-feira, agosto 6
ali, parado...
Era um frio na barriga, uma vontade de rir e de chorar, uma necessidade de correr e permanecer ali, parado, esperando... Nunca tremi tanto. Era como se tivesse consumido por uma inexplicável hipotermia em plena primavera carioca. Minha garganta engasgava, a saliva faltava. Foi complicado ficar quieto, meus pés balançavam sem parar. Como consegui dirigir até ali? Não importava, tudo já era passado. Confesso, em alguns momentos pensei que o tempo estivesse brincando comigo, me testando. Mas parado ali, depois de tudo, me senti como que a espera do primeiro beijo, ou a procura do meu nome na lista do vestibular. Uma mistura de excitação, medo, angústia, felicidade... Como alguém podia sentir tanta coisa ao mesmo tempo? Não sei. Só sei que ali, parado, esperando, me senti especial, me senti realmente especial. Não me senti assim por me entender importante pra alguém, mas por sentir em mim algo difícil de explicar, um amor, uma capacidade de amar, quase que imensuráveis. Naquele momento já tive certeza de que tudo tinha valido a pena, tudo mesmo. Meu corpo traduzia essa certeza. Estava anestesiado, drogado, contaminado por algo ainda não inventado, algo que me acelerava e me mantinha em câmera lenta, que não me deixava parado, mas ao mesmo tempo me impedia qualquer movimento. O mundo podia terminar ali, nada mais importava, nada podia ser maior, mais forte. Era como se minha respiração e meus batimentos pudessem ser sentidos pelos pés e levados até o pescoço de todos a minha volta. Senti ter certeza sobre tudo, resposta pra todas as perguntas, solução pra todos os problemas. Nada me faria sentir medo, nada seria impossível. O impossível não fazia mais sentido algum. Eu tava ali.
sexta-feira, agosto 3
história de vizinha
Saí andando sem um motivo, sem um porquê, apenas saí. Quem sabe não encontrava alguma coisa, quem sabe não encontrava alguém. Ou talvez, quem sabe, simplesmente me encontrava. Não tenho sido uma boa companhia pra mim. Minha presença em minha vida tem sido demasiadamente chata, como uma vizinha faladeira, hipocondríaca e aposentada, do tipo que liga pra sua casa numa noite de quarta-feira [na hora do futebol, pra ser mais exato aos 34 minutos do segundo tempo, quando seu time está ganhando a partida por 2 x 1 na casa do adversário, com um homem a menos] e pergunta se você tem uma xícara de açúcar pra emprestar. Quando você retruca com um curto, grosso e impaciente “NÃO”, ela simplesmente começa a imendar quinhentos novos assuntos; fala mal da moradora exibida do 502, fala da excursão que fará no feriado de 7 de setembro pra Paraty com um grupo de voluntários que conheceu no “Amigos da Escola”, conta as inúmeras peripécias do seu prodigioso neto de nove anos, o gorducho do Paulinho, e por fim, pergunta se pode ir até seu apartamento pegar a xícara de açúcar que, 10 minutos atrás, você disse não ter. Você respira fundo e... "Gol!" O narrador grita gol! E o gol não é do seu time... É nessa hora que você é consumido por uma vontade quase incontrolável de afogar a desgraçada, olhar no fundo dos olhos dela e gritar: “Não me interessa se o Paulinho lutou judô nas Olímpiadas dos colégios católicos, a senhora pode pegar a medalha de bronze do viadinho do seu neto, juntar com o elogio que a professora de inglês fez à pronúncia do pirralho e enfiar tudo bem no meio do olho do seu... do seu... do Seu Carlos!” Se já não bastasse aquela vizinha incoveniente, no meu caso particular, a gentil Dona Clotilde, ultimamente tenho sido a vizinha inconveniente de mim mesmo, a toda hora me lembrando o que não quero lembrar, me contando o que não quero saber, atrapalhando minha própria rotina com um monte de merda que quero esquecer... Mas enfim, a caminhada até que serviu de alguma coisa... Hoje é quarta-feira. Passei no mercado e comprei um quilo de açúcar de presente pra ela, a gentil Dona Clotilde!
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