sexta-feira, agosto 3

história de vizinha

Saí andando sem um motivo, sem um porquê, apenas saí. Quem sabe não encontrava alguma coisa, quem sabe não encontrava alguém. Ou talvez, quem sabe, simplesmente me encontrava. Não tenho sido uma boa companhia pra mim. Minha presença em minha vida tem sido demasiadamente chata, como uma vizinha faladeira, hipocondríaca e aposentada, do tipo que liga pra sua casa numa noite de quarta-feira [na hora do futebol, pra ser mais exato aos 34 minutos do segundo tempo, quando seu time está ganhando a partida por 2 x 1 na casa do adversário, com um homem a menos] e pergunta se você tem uma xícara de açúcar pra emprestar. Quando você retruca com um curto, grosso e impaciente “NÃO”, ela simplesmente começa a imendar quinhentos novos assuntos; fala mal da moradora exibida do 502, fala da excursão que fará no feriado de 7 de setembro pra Paraty com um grupo de voluntários que conheceu no “Amigos da Escola”, conta as inúmeras peripécias do seu prodigioso neto de nove anos, o gorducho do Paulinho, e por fim, pergunta se pode ir até seu apartamento pegar a xícara de açúcar que, 10 minutos atrás, você disse não ter. Você respira fundo e... "Gol!" O narrador grita gol! E o gol não é do seu time... É nessa hora que você é consumido por uma vontade quase incontrolável de afogar a desgraçada, olhar no fundo dos olhos dela e gritar: “Não me interessa se o Paulinho lutou judô nas Olímpiadas dos colégios católicos, a senhora pode pegar a medalha de bronze do viadinho do seu neto, juntar com o elogio que a professora de inglês fez à pronúncia do pirralho e enfiar tudo bem no meio do olho do seu... do seu... do Seu Carlos!” Se já não bastasse aquela vizinha incoveniente, no meu caso particular, a gentil Dona Clotilde, ultimamente tenho sido a vizinha inconveniente de mim mesmo, a toda hora me lembrando o que não quero lembrar, me contando o que não quero saber, atrapalhando minha própria rotina com um monte de merda que quero esquecer... Mas enfim, a caminhada até que serviu de alguma coisa... Hoje é quarta-feira. Passei no mercado e comprei um quilo de açúcar de presente pra ela, a gentil Dona Clotilde!

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